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Mielomeningocele

Na terceira ou quarta semana de gestação, pode haver falha no fechamento do canal vertebral, denominado mielomeningocele. Dependendo do nível medular acometido, a alteração funcional pode ter diferentes graus, chegando mesmo a gerar malformações como encefalocele (encéfalo exposto) ou anencefalia. Em níveis caudais, pode haver a espinha bífida. Quando aberta há exposição direta do tecido nervoso ao ambiente (mielomeningocele), já na fechada há revestimento por apêndice epidermico ou por depósito gorduroso.

A sequência de anormalidades que compõe a embriogênese da mielomeningocele ocorre na terceira e quarta semana de gesta­ção durante a fase de fechamento do tubo neural, chamada de neurulação primária. Os defeitos ocorridos durante a fase de neurulação primária que acometem a formação do tubo neural em sua porção caudal levam ao surgimento de espinha bífida aberta (mielomeningocele). Os defeitos que ocorrem após a fase de neurulação primária levam à ocorrência de malforma­ções espinhais cobertas por pele e são denominados de defeitos pós-neurulação ou disrafismos ocultos.

A mielomeningocele é a malformação decorrente do defeito de fechamento do tubo neural mais frequente. A incidência global varia de 0,1 a 10 casos para cada mil nascidos vivos. A incidência mundial da mielomeningocele tem associação com regiões de baixo desenvolvimento sócio-econômico.

 

TRATAMENTO CIRÚRGICO

Os déficits neurológicos presen­tes ao nascimento associados com a mielomeningocele são, em sua vasta maioria, permanentes e irreversíveis. Logo, os objetivos fundamentais do reparo cirúrgico da mielomeningocele são a preservação de todo tecido nervoso viável, reconstituição ana­tômica e a minimização ou prevenção do risco de infecção do sistema nervoso central.

O momento de fechamento da mielomeningocele deve ser o mais precoce possível, uma vez avaliada as condições clínicas cardio­pulmonares, o reparo cirúrgico deve ocorrer idealmente nas primeiras 24 horas após o nascimento. Ao contrário do que poderia se imaginar, a brevidade com que é tratada a questão não se relaciona com a possibilidade de reversão de comprometimentos neurológicos existentes, mas sim decorrente do risco progressivo de infecção (meningite e ventriculite) associado com o atraso na realização do procedi­mento.

 

PÓS-OPERATÓRIO

No pós-operatório, o paciente é mantido no berço em decú­bito ventral para evitar pressão sobre a pele aproximada, com sondagem vesical de demora e muita atenção é dirigida para a ferida operatória e para o possível desenvolvimento de hidro­cefalia.

 

COMPLICAÇÕES PRECOCES

Vamos considerar complicações precoces aquelas ocorridas nas primeiras semanas após a cirurgia. As possíveis morbidades que podem complicar a evolução clínica são a hidrocefalia, fístula liquórica, necrose ou deis­cência de ferida operatória e infecção cirúrgica com ou sem meningite.

O desenvolvimento de hidrocefalia costuma ocorrer após o fechamento da mielomeningocele. Apenas 15% dos pacientes com mielomeningocele nascem com sinais clínicos de hidro­cefalia; contudo, oitenta por cento dos que não a manifestam ao nascimento irão desenvolver hidrocefalia precocemente, muitas vezes dentro de uma ou duas semanas. Esses pacientes irão precisar de derivação ventrículo peritoneal, que permite a diminuição da pressão liquórica, diminuindo a tensão na ferida cirúrgica e reduzindo o risco de vazamento de líquor.

 

COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS TARDIAS

Medula Presa

Aproximadamente 10 a 30% das crianças irão desenvolver sín­drome de medula presa após a reparação de uma mielomenin­gocele. O diagnóstico de medula presa é feito com base em critérios clínicos. As seis formas mais comuns de apresentações clínica são fraqueza progressiva (55%), piora da marcha (54%), escoliose (51%), dor (32%), deformidade ortopédica (11%), e disfunção urológica (6%).

 

Malformação de Chiari II

A MChII é a responsável pela maioria dos óbitos em portadores de mielomeningocele. Essa malformação consiste na herniação das amígdalas, verme cerebelar, IV ventrículo e porção inferior do bulbo através do forâmen occipital.

Praticamente todos os pacientes com mielomeningo­cele apresentam a malformação de Chiari II, entretanto, apenas 20% a 30% terão sintomas relacionados com a sua pre­sença.

 

Siringomielia

A siringomielia  se caracteriza pela degeneração axonal e formação de cavidades císticas com acúmulo de líquido no interior da medula espinhal. É um achado frequentemente associado à mie­lomeningocele, com prevalência variando entre 20 e 53% em diferentes estudos. A RM é o exame que apropriadamente de­monstra sua existência e extensão. A formação da cavidade siringomiélica é decorrente do bloqueio da circulação liquórica ao nível da junção crânio-vertebral, pela malformação de Chiari II.

Os sintomas associados com siringomielia incluem dissociação sensitiva, atrofia muscular segmentar, espasticidade, escoliose, diminuição de força, disfunção vesical e dor.

 

CIRURGIA FETAL (INTRAÚTERO)

A observação de ecografias intraútero demonstrou que a lesão nervosa era progressiva durante a gestação. Os estudos iniciais sugeriam uma diminuição importante na ocorrência da hidrocefalia e de malformação de Chiari II, mas também mostravam um aumento do risco materno-fetal incluindo trabalho de parto prematuro, deiscên­cia uterina, prematuridade e morte fetal.

 

PROGNÓSTICO

Nos últimos 60 anos, houve uma grande mudança no prognóstico da mielomeningocele. Antes, a sobrevivência era uma exceção, mas hoje, com todo o avanço de técnicas, pelo menos 75% das crianças com mielomeningocele tem perspectiva de alcançar a vida adulta.

Imagem: Medula Presa. Na esquerda, RM sagital ponderada em T1 evidenciando aderência medular junto a cicatriz da correção cirúrgica de mielomeningocele; na direita, imagem transoperatória com intensa aracnoidite cicatricial junto à medula e raiz com trajeto ascendente (seta).

 

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