
Amaurose bilateral por menigoencefalite criptocócica: relato de caso
As micoses profundas sistêmicas são encontradas principalmente nos pacientes imunocomprometidos, sendo o cérebro acometido em boa parte dos casos na fase tardia da doença, isto é, quando a disseminação hematogênica do fungo ocorre. Frequentemente, os fungos mais envolvidos são Candida albicans, Mucor, Aspergillus fumigatus e Cryptococcus neoformans. Podem ocorrer três padrões de infecções fúngicas no SNC: meningite crônica, vasculite e invasão parenquimatosa.
Uma das complicações da infecção fúngica no encéfalo é a trombose vascular em decorrência de uma vasculite que é mais frequentemente causada por Mucor e Aspergillus. O infarto ocasionado é com frequência hemorrágico, posteriormente evoluindo para sepse devido ao crescimento do fungo causador.
No caso, a invasão parenquimatosa se dá na forma de granulomas ou abscessos, podendo está relacionada a maioria dos fungos e frequentemente coexiste com meningite. Nessa ocasião, os fungos mais frequentes são Candida e Cryptococus. Os achados histopatológicos da infecção por Candida são microabscessos múltiplos, com ou sem formação de granulomas. Um ponto importante a ser mencionado é que embora a via principal de disseminação fúngica seja a hematogência, a extensão direta pode ocorrer, particularmente com Mucor, mais comumente nos diabéticos com cetoacidose.
A meningite criptocóccica é com frequência associada à infecção pelo HIV e o desenvolvimento da AIDS. Ela pode se apresentar fulminantemente, mas também pode evoluir durante meses ou anos de modo indolente. O criptococo pode ser visualizado no LCR se apresentando na forma encapsulada mucoide através da preparação, principalmente, de tinta da Índia. O aspecto morfológico de uma infecção por esse microrganismo é caracterizado por uma meningite crônica comprometendo as leptomeninges basais, apresentando-se opacas e espessadas pelo tecido conjuntivo reativo podendo ocasionar obstrução do fluxo de saída do LCR pelos forames de Luschka e Magendie, ocasionando hidrocefalia. Um material gelatinoso é encontrado no interior do espaço subaracnóideo e pequenos cistos no interior do parênquima, encontrando-se proeminente nos núcleos da base na distribuição das artérias lentículo-estriadas. Há também agregados de organismos no interior dos espaços perivasculares (Virchow-Robin).
Os casos de criptococose realmente emergiram na década de 80 com a pandemia da AIDS. De fato, hoje a criptococose acomete até um terço dos pacientes com infecção pelo HIV e figura em quarto lugar dentre a causa mortis destes paciente. O fungo é encontrado no meio ambiente em detritos de origem vegetal e animal, como excretas de pombos e outras aves.
O criptococo é encontrado em sua forma tecidual como levedura encapsulada e por mais que esteja muito relacionado com o desenvolvimento da AIDS e imunossupressão, pacientes sem essas características imunológicas também podem ser infectados pelo fungo e desenvolverem a doença. A infecção antes da puberdade é rara, porém é possível e se da através da inalação, na qual os propágulos leveduriformes atingem os pulmões, lá podem regredir ou evoluir para a disseminação hematogênica para o cérebro e meninges, além disso podem afetar outros órgãos tais como as glândulas adrenais. Nessas glândulas esses organismos proliferam e podem evoluir o estado clínico do paciente para uma instabilidade hemodinâmica e choque, entretanto esse evento é mais raro que ocorra.
Para a detecção do criptococo um dos exames que pode ser utilizado é o exame micológico rotineiro da urina, principalmente porque é de mais fácil obtenção e menor risco biológico quando comparado ao sangue e ao líquor. Tal fato deve ser lembrado quando como alternativa para os casos ambulatoriais ou internações nos quais pode ser difícil realizar coleta de amostras para hemocultura.
Um dos principais sintomas relacionados a meningoencefalite criptocócica é a cefaleia, seguido de febre e rigidez da nuca. Alterações visuais também podem ser encontradas, caracterizadas por diminuição da acuidade visual, fotofobia e diplopia (por paralisia do nervo abducente). Papiledema também pode ser encontrado. Então se formos caracterizar a forma mais comum de apresentação do quadro seria encontrado um paciente com cefaleia, vômitos, letargia, e perda de peso. Os sintomas mais raros são distúrbios visuais, sinais cerebelares e afasia.
O sinal de kernig pode está presente e é indicativo de irritação meníngea. Pesquisa do sinal – com o paciente em decúbito dorsal, flete-se passivamente a coxa sobre a bacia, em ângulo reto, tentando-se a seguir estender a perna sobre a coxa tanto quanto possível. Nos casos de doenças agudas das meninges e raízes nervosas observa-se resistência e limitação do movimento, pois o paciente queixa-se de muita dor.
O sinal da nuca de Brudzinski ocorre quando a tentativa de flexão passiva da nuca determina flexão involuntária das pernas e coxas e também é indicativo de irritação meníngea.
Os distúrbios da visão pela infecção estariam estão relacionados ao aumento da pressão intracraniana ocasionando o padrão de perda visual lenta. No entanto, o aumento da pressão intracraniana e edema do disco óptico foram achados comuns, porém não associado à baixa de acuidade visual. Outro fator associado com a patogênese do edema do disco óptico, atrofia óptica e paralisia do nervo abducente é a alta titulagem de antígenos criptococos no líquor. O que se sugere: Primeiramente, a resposta celular nas meninges cercando o nervo óptico pode causar um estrangulamento do nervo e comprometimento do seu suprimento vascular e como segundo mecanismo uma invasão direta do tecido neural pelo criptococos pode ser combinada com uma resposta do hospedeiro inflamatória celular causando edema no nervo óptico. Uma abordagem terapêutica no controle da pressão no líquor é importante para a descompressão do nervo óptico. Entretanto, em pacientes imunocompetentes apenas essa medida pode não ser suficiente; nesse caso o uso de altas doses de corticosteróide sistêmico pode ter efeito benéfico.
Então para finalizarmos, é importante termos em mente os principais fungos relacionados aos processos infecciosos nas meninges e, além disso, correlacionar os sintomas e sinais clínicos característicos desse acometimento. O artigo retrata um caso clínico de uma doença relativamente comum, porém a forma como a doença se manifestou não é tão frequente, isso é evidenciado, por exemplo, pelo acometimento visual (amauroso bilateral).


