top of page

O presente artigo foca no reconhecimento e manejo dos pacientes com delirium, uma desordem associada ao consumo do álcool e que, devido à sua prevalência, somada ao impacto social que esse problema ganhou nas sociedades ocidentais, merece atenção.

            Estima-se que cerca de 50% das pessoas com problemas relacionadas ao consumo do álcool desenvolverão sinais e sintomas quando diminuído ou retirado o consumo dessa substância. Daí a necessidade de entendermos esse tema e sabermos como abordar aquele paciente que chegou ao pronto atendimento com uma suspeita de delirium, especificamente.

         O nosso cérebro funciona por meio de substâncias que, em geral, transmitem suas informações ativando ou inibindo neurônios, despolarizando ou hiperpolarizando membranas, merecendo destaque o tico e o teco do funcionamento cerebral, os neurotransmissores Gulatamato (excitatório) e o Ácido gama-amniobutírico (inibitório), GABA para os íntimos. O álcool, ao contrário do que pensam, não é um estimulador para eventos sociais, mas sim um depressor ferrenho do sistema nervoso central (SNC), agindo como o GABA, inclusive pela própria adição na liberação desse neurotransmissor inibitório (como salientado no artigo, por ação nos receptores GABAa), além de agir dificultando a ação do glutamato nos seus receptores NMDA (cujo nome você sabe qual).

             Como podemos ver, é um conjunto de substâncias e receptores complicados, que não é o objetivo do artigo, nem o nosso. Veja, porém, que um cerébro mergulhado em álcool, na verdade, é um órgão adaptado às mudanças nas concentrações dessas substâncias e desses receptores, sendo que essa adaptação não significa uma evolução em termos de saúde, mas um abismo em termos dos efeitos orgânicos e psíquicos que essa substância pode causar. Um efeito que pode nomear algumas dessas adaptações é denominado taquifilaxia. E não é difícil imaginar os sintomas de um indivíduo alcoolista crônico, cujo SNC está acostumado com um nível sanguíneo elevado de uma substância depressora... para memorizar vamos a um caso prático:

 

I.G.T, sexo masculino, 37 anos, negro, natural e procedente de Iguatu, bancário, deu entrada sem acompanhante no pronto socorro,  queixando-se de batedeira no peito há cerca de 14 horas. Mostra-se agitado, confuso, porém cooperativo. Escala de Coma de Glasgow (ECG) 13 - abertura ocular 4, resposta verbal 4, resposta motora 5 -. Ao exame físico apresentava-se anictérico, acianótico, febril (38°C), taquipneico. Estado geral regular, estado nutricional comprometido e idade aparente superior à idade real. Sinais vitais: Pulso 105 bpm, FR 22 irpm, PA 140/90 mmHg. Ao exame de cabeça e pescoço nota-se hipertrofia das parótidas bilateralmente, sem massas à palpação, consistência  elástica e textura glandular normal. Ao exame das extremidades nota-se tremor fino em mãos, cujo paciente não consegue referir quando teve início. Além disso, as mãos se encontravam quentes e úmidas. Nenhum outro achado digno de nota no exame físico.
 

Hipótese diagnóstica? Na verdade, não quero que você comece pela hipótese mais forte, quero que você pense nos diferenciais, de tal forma que sempre ao pegar um caso parecido tenha em mente excluir alguns desses que você pensou. E aí?

 

Pense em duas perguntas:
 

1- Como está a tireoide desse paciente? Veja que deixamos implícito o exame físico da tireoide quando afirmamos que não havia nada digno de nota no resto do exame físico desse paciente, mas sempre é bom descrever, o que não fizemos aqui por motivos didáticos. Mas veja, esse paciente poderia ser portador de uma doença de Graves e estar no meio de uma crise tireotóxica, ou mesmo ser portador da doença de Hashimoto e estar numa crise tireotóxica no início do rompimento dos folículos tireoideanos.

Por isso, lembre: como está a tireoide dele? Faça o exame físico com atenção.
 

2- Ele toma algum medicamento? Nesse caso, medicamentos do grupo dos ansiolíticos ou mesmo dos antidepressivos poderiam ser responsáveis por uma apresentação assim. Outros medicamentos, como os cardiovasculares podem provocar distúrbios hidroeletrolíticos específicos que justificariam alguns dos achados nesse paciente.


Saltada essas duas perguntas, surge uma terceira que pode ser encaixada na segunda: ele usa alguma droga ilícita ou lícita (incluindo o álcool)? E ao fazer essa pergunta, entrou um vizinho do rapaz no pronto socorro e disse a você que, na verdade, esse paciente é um alcoolista crônico, apesar de jovem, e está há mais ou menos 24 horas sem consumir bebidas alcoólicas.
Então memorize um pouco essa clínica exemplificada no caso: se eu tirei um depressor, que é o álcoo, o organismo pode responder de forma inversa, por meio de insônia, ansiedade, aumenta nas frequências respiratória e cardíaca, essa última podendo responder pela queixa principal do paciente, além de aumento na temperatura corporal, aumento da pressão sanguínea, assim como tremor nas mãos.

 

Voltando ao artigo...

 

Mas como quantificar esses sintomas e, assim, decidir por uma conduta terapêutica? O artigo do NEJM nos apresenta uma tabela de escore, denominada Clinical Institute Withdrawal Assesment of Alcohol Scale, que varia de 0 a 67 e está reproduzida abaixo.
 

Delirium

Editor da discussão: Pedro Helder

- Escore <8 indica poucos sintomas e raramente necessita de conduta farmacológica.

- Escore > ou = 8 e <15 indica moderados sintomas de abstinência e resposta a modestas doses de benzodiazepínicos.

- Escore >15 indica sintomas graves e requer monitoramento para evitar convulsões e delirium tremens, sendo que esse último será nosso tema de fato a partir de agora.

 

O que é o Delirium Tremens?

A tabela abaixo, retirada do artigo, define os critérios para a abstinência alcoolica e o delirium que pode se associar a ela, segundo o DSM-5, sendo então definido como: "uma flutuação do nível de consciência e/ou alteração na atenção e funções cognitivas (memória, linguagem, habilidade visuoespacial), somadas à abstinência/retirada do álcool, podendo se manifestar com alucinações". Essa condição começa cerca de 3 dias após o início dos sintomas da retirada do álcool, com duração variável de 1 a 8 dias, ou mais. Esse diagnóstico continua incerto para muitos médicos, o que contribui para a incerteza quanto a sua prevalência, estimando-se em cerca de 3% a 5% dos pacientes que são hospitalizados por abstinência alcoólica.

Quais as consequências dessa condição?

A mortalidade relatada é de 1 a 4% para aqueles pacientes que são hospitalizados com sintomas de delirium tremens, um número considerável, quando se considera a população de risco.


Quais as principais causas de morte nesses pacientes?

Os pacientes vem a óbito, devido a complicações, entre as quais podemo destacar: a hipertermia, arritmias cardíacas, complicações das crises convulsivas ou doenças concomitantes.
 

O que focar para melhorar o atendimento a esses pacientes?

Acredita-se que o diagnóstico rápido e preciso, somado ao tratamento adequado dos sintomas pode contornar e evitar as complicações citadas anteriormente.
 

Contudo, sejamos um pouco mais específicos no tratamento:

Três metas principais são buscadas 
I.  Controlar a agitação.
II. Diminuir o risco de crises convulsivas.
III.Diminuir o risco de lesões com métodos sublinhados na tabela 3.

Conclusões

Diante de tudo isso que foi discutido, buscamos sintetizar o conteúdo do artigo e acrescentar alguns pontos de discussão, a fim de mostrar a real importância do tema que, apesar de o próprio artigo considerar uma situação incomum dentro do espectro de pessoas susceptíveis, a realidade nos mostra a vulnerabilidade dos médicos ao tema e da população a essa condição específica, que é o delirium tremens. Esperamos ter contribuído para a visão geral acerca também dos sintomas mais amplos que envolvem até mesmo a simples redução na dose do álcool para pessoas com hábitos crônicos e exagerados no consumo dessa substância. Para finalizar, devemos lembrar que diagnosticar rapidamente, prever o prognóstico e a resposta desse paciente à terapêutica proposta por meio do Clinical Institute Withdrawal Assesment of Alcohol Scale, além de conhecer as complicações que aumentam a mortalidade desses pacientes poderão, em conjunto, melhorar o manejo e alcançar melhor eficácia no tratamento dessas pessoas.

bottom of page