
CASO CLÍNICO
ID: Paciente sexo feminino, 11 anos de idade, natural de Porto Velho, Rondônia, com ascendência japonesa por parte materna.
QP: Febre e mialgia
HDA: Relata um quadro de febre, de mialgia, de dor ocular e de artralgia com duração de 5 dias e melhora espontânea. Após 10 dias , o quadro clínico evoluiu com perda aguda da visão no olho direito e fraqueza do membros inferiores, sem perda da função esfíncteriana. Ela se apresentou ao Centro de Neurologia e Reabilitação de Rondonia, na cidade de Porto Velho, em que a avaliação neurológica revelou severa redução da acuidade visual no olho direito, com edema da papila na avaliação de fundoscopia e síndrome piramidal bilateral, simétrica nos membros inferiores, caracterizada por paraparesia (grau 4), hiperreflexia e sinal de Babinski bilateral.
- Diante dessa apresentação, como podemos começar a pensar?
Vamos compartimentalizar: paciente pediátrica que se apresenta com dor muscular, febre (não mensurada e não especificada), dor ocular e dor articular. O que isso aparenta ser? Isso! Um quadro aparentemente infeccioso agudo! Seria essencial fazer uma abordagem epidemiológica de infecções típicas de área tropical que cursam com esses achados. Sindromicamente ela apresentava uma síndrome álgica e talvez uma síndrome astênica.
**Importante -> Como ela estava ao chegar até você? Estava com nível de conciência rebaixado? Estava hemodinamicamente etável? Dispneica? Havia sinais de meningismo? Uma resposta afirmativa para qualquer dessas perguntas, entre muitas outras, levariam a uma conduta intervencionista. Porém, o quadro evoluiu para resolução espontânea. Após 10 dias ocorreu um envolvimento neurológico, do qual podemos destacar, anatomicamente, um acometimento ocular e um acometimento do trato corticoespinal. A infecção, propriamente dita, nem sempre corresponde ao período mais dramático no aparecimento dos sintomas, visto que quadros pós-infecciosos podem se desenvolver por mecanismos pouco esclarecidos, mas sugerindo uma reação imunomediada. Assim, é importantíssimo definir se o quadro apresentado é agudo, subagudo ou crônico! Claro, você já concordou que é um caso agudo para subagudo. Diante disso, o que pedir? Veja abaixo o exame do fundo de olho:
Mais algum exame a pedir? Lembre-se que ela está em um período próximo a uma infecção recente, quer pedir alguma sorologia? Epidemiologicamente pediríamos o que?
Pois bem, durante a internação ela foi submetida a exames hematológicos, imunológicos e bioquímicos para investigação de doenças infecciosas, incluindo análise do soro e do líquido cefalorraquidiano (LCR); IgG e IgM específicos do dengue, bem como os anticorpos específicos para outros vírus (HIV, citomegalovirus [ CMV ] , Herpessimplex vírus [ HSV ] , e vírus linfotrópico T humano -1 [ HTLV- I] ); banda de IgG oligoclonal ; análise do LCR rotina( Citologia , proteína e glicose ) ; ressonância magnética ( RNM ) do cérebro e da medula espinhal ; e avaliação oftalmológica ( exames seriados de acuidade visual [ VA ] , campimetria , retinografia e microscopia da retina e nervo óptico). Os resultados mostraram a análise do LCR de rotina normal e presença de anticorpos IgM anti - dengue no soro e LCR.
Recordando, acometimento medular + acometimento de nervo óptico + síndrome do primeiro neurônio motor, em um quadro pós-infeccioso de dengue... e o diagnóstico da paciente é de Neuromielite Óptica ou Síndrome de Devic, que apesar de se manifestar nesse caso como uma forma de encefalomielite disseminada aguda (ADEM), constitui também um dos principais diagnósticos diferenciais de Esclerose Múltipla (EM), devido à neurite óptica.
Neuromielite óptica (NMO) é uma síndrome inflamatória do SNC distinta da esclerose múltipla (EM) e que está associado com anticorpos de soro de G aquaporina-4-imunoglobulina (IgG) AQP4. Critérios diagnósticos anteriores para NMO exigiam envolvimento do nervo óptico e da medula espinhal, mas envolvimento menos ou mais extenso do SNC também pode ocorrer. A nova nomenclatura define o termo unificador dos transtornos do espectro NMO (NMOSD), que é estratificada ainda mais por meio de testes sorológicos (NMOSD com ou sem AQP4-IgG). As características clínicas básicas necessárias para pacientes com NMOSD com AQP4-IgG incluem síndromes clínicas ou resultados de MRI relacionados com nervo óptico, medula espinhal, área postrema, tronco cerebral, diencéfalo ou apresentações cerebrais. Critérios clínicos mais estritos, e achados de neuroimagem adicionais, são necessários para o diagnóstico de NMOSD sem AQP4IgG ou quando o teste sorológico não está disponível.
Conclusão: Neurite óptica somada a alterações medulares, como perda de sensibilidade na distribuição dos dermátomos, disfunção de controle esfincteriano e disfunção motora, exigem do médico a lembrança desse diagnóstico, principalmente como diagnóstico diferencial de outras condições, como a Esclerose Múltipla.
REFERÊNCIAS
1. http://link.springer.com/article/10.1007/s10156-006-0475-6
2.http://www.neurology.org/content/85/2/177.short
Editor do caso: Pedro Helder



