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CASO CLÍNICO

 

Homem de 69 anos com diabetes, hipotiroidismo e dislipidemia apresentava edema e dor em ambos os lóbulos da orelha e artrite das articulações metacarpofalângicas e tornozelos havia dois meses, bem como dor generalizada. Vinte dias antes de ser admitido no hospital, começou a apresentar ataxia, paraparesia, zumbido, vertigem e confusão mental.

Tinha sido atendido previamente em outro hospital, por volta do momento do início da confusão mental, onde foi tratado para encefalite herpética após uma punção lombar ter revelado leucócitos elevados, com predomínio de linfócitos. Embora no início tenha apresentado melhora na confusão mental, sua paraparesia permaneceu inalterada.

Ao exame físico, tinha nistagmo ao olhar para baixo, rigidez de membros superiores, paraparesia, arreflexia, hipoestesia tátil, movimentos dismétricos, tremor grosseiro postural e de ação, bradicinesia e ataxia do tronco. Apresentava também edema e eritema purpúrico de ambos os lóbulos das orelhas e artrite das articulações metacarpofalângicas do segundo e terceiro dígitos da mão direita.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A) edema das articulações metacarpofalângicas; B) condrite da anti-hélice da orelha.

A partir das infomações dadas, que exames você pediria? Qual seria sua hipótese diagnóstica até agora?

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A RM de crânio e da coluna cervical revelou um leve espessamento da dura-máter. Uma nova punção lombar confirmou a presença de leucócitos elevados e os exames laboratoriais revelaram atividade inflamatória aumentada e anemia por deficiência de ferro (ver tabela).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Achados da ressonância magnética do encéfalo: C) Difusão axial com espessamento da dura‐máter de ambos os lobos frontais; D) RM, corte sagital, sequência ponderada em T1 com fat sat que mostra sinal meníngeo aumentado adjacente ao cerebelo; E) Sequência FSE ponderada em T2 que mostra uma leve atrofia cerebelar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estabeleceu-se o diagnóstico de policondrite recidivante com base na associação de condrite, artrite e ataxia vestibular com sintomas neurológicos significativos. Após um curso de 1mg/kg/dia de prednisona, houve significativa melhora na condrite, artrite, ataxia e paraparesia, mas o tremor manteve-se inalterado. Em uma consulta de acompanhamento após um ano, o paciente tinha desenvolvido complicações decorrentes do uso crônico de corticoesteroides, como osteopenia, hipertensão, síndrome de Cushing, agravamento da síndrome de apneia obstrutiva do sono e um episódio de herpes zoster cutâneo bilateral em tronco. Essas complicações exigiram uma alteração na terapia imunossupressora, substituindo a prednisona por metrotrexato. Apesar disso, o paciente não teve novos sintomas neurológicos e permaneceu com ataxia moderada.

A policondrite recidivante é uma doença autoimune multissistêmica rara que afeta o tecido cartilaginoso, especialmente as cartilagens hialinas em vários locais, na maior parte das vezes compromete a anti-hélice de ambas orelhas, com preservac¸ão do lóbulo. Também pode ocorrer poliartrite soronegativa e o envolvimento sistêmico de outros órgãos (incluindo inflamação ocular, prejuízo audiovestibular, vasculite, envolvimento da pele, insuficiência valvular e sintomas neurológicos) decorrente do comprometimento de tecidos ricos em proteoglicanos. Cerca de 30% dos casos estão associados a outras doenças autoimunes, a vasculites sistêmicas e à síndrome mielodisplásica.

O diagnóstico é feito por achados clínicos; ocasionalmente o exame patológico revela comprometimento inflamatório do tecido cartilaginoso afetado. Atualmente, o diagnóstico é feito com base na demonstração de condrite em dois de três locais (auricular, nasal, laringotraqueal); ou em um desses locais e duas características adicionais, incluindo inflamação ocular, dano audiovestibular ou artrite inflamatória soronegativa. Não há achados laboratoriais específicos.

Os sintomas neurológicos ocorrem em uma minoria dos casos (3%) e podem variar de comprometimento de nervos cranianos a uma manifestação mais evidente com comprometimento cerebelar, convulsões ou outros achados focais sugestivos de comprometimento cortical. Esses são de natureza vasculítica. Também podem ocorrer meningite asséptica com espessamento das meninges, meningoencefalite linfocitária, romboencefalite e aneurismas cerebrais.

 No caso descrito, o diagnóstico foi feito exclusivamente por achados clínicos, já que ao exame físico havia evidências de condrite em ambas orelhas, policondrite soronegativa e comprometimento neurológico com meningite asséptica. Cerca de 25% dos pacientes morrem em até cinco anos após o diagnóstico; o envolvimento laringotraqueal e as complicações cardiovasculares são as principais causas de morte. Fatores que têm um impacto negativo na sobrevida no momento do diagnóstico incluem a idade avançada, a anemia e o estreitamento laringotraqueal. Fármacos anti-inflamatórios não esteroides orais podem ser usados para tratar pacientes com artralgia e artrite leve. A terapia imunossupressora padrão começa evitar os efeitos colaterais do tratamento crônico com corticoesteroides. Outras opções são a azatioprina, a ciclofosfamida, a ciclosporina, o micofenolato de mofetila e os antagonistas do TNF.

 

 

 

 

 

Edição do caso: Karoline Tabosa

 

 

 

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