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Caso

Id: Sexo masculino, 48 anos, branco, procedente de Portugal.

QP: “dor atrás da perna”

HDA: Paciente relata que no início de 2004 apresentou tosse, procurando atendimento médico. Foi realizada uma radiografia de torax que revelou linfadenopatia hilar bilateral, sendo esse achado confirmado por uma TC. Não havia outros sintomas relacionados à tosse nesse momento. Um diagnóstico foi considerado, embora os médicos considerassem os sintomas muito amenos para que se iniciasse tratamento. Em julho de 2004, paciente relata ter tido início quadro de dormência e dor na parte dorsal de sua perna direita, a qual gradualmente se irradiou para a região lombar, glúteo direito e parte posterior da coxa (veja Exame físico 2004). Em setembro, foi internado por piora progressiva dos sintomas.

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Exame Físico:

Pele e fâneros: Descoloração escurecida da pele do pé direito.

Neurológico: Hipostesia na parte lateral do pé direito. Reflexo aquileu ausente à direita. Lasègue presente a 70º à direita.

Imagem: RM lombo sacral: Em T2, aumento heterogêneo de sinal na raiz nervosa de S1 e do gânglio da raiz nervosa.

Punção lombar: Ausência de leucócitos; Proteína: 0,52g/L; Glicose: 0,36 g/L.

EMG: Anormalidade no segmento S1 compatível com radiculopatia de S1.

sECA (enzima conversora de angiotensina sérica): Dentro dos limites da normalidade.

 

*Durante a internação, paciente desenvolve nódulos epiteliais, os quais, à biópsia, são confirmados como eritema nodoso.

 

Que diagnósticos são prováveis para esse paciente?

Que tratamento seria prescrito no caso desse diagnóstico?

 

Os médicos consideraram o diagnóstico de sarcoidose extremamente provável e consideraram a alteração nervosa como neurosarcoidose.

Foi iniciado tratamento com prednisona (30mg/dia), mas a dor persistiu e corticoides (inicialmente IV e depois injeção local à raiz nervosa) foram utilizados com melhora temporária.  Em abril de 2005 foi iniciado metotrexato (até 12.5mg/semana) devido à dor persistente. Corticoides foram reduzidos devido a hiperglicemia do paciente.

Em novembro de 2005, o paciente desenvolveu cefaleia hemicraniana periorbital à esquerda, acompanhada de diplopia ao olhar para a esquerda. 

Foi descoberta lesão parcial ao sexto nervo craniano esquerdo, sendo reinternado.

RM demonstrou espessamento e realce por gadolínio no serio cavernoso esquerdo, sem alterações parenquimatosas. Uma varredura por gálio (galium scan) não demonstrou alterações na captação hilar do pulmão ou das glândulas lacrimais. Fator reumatoide, viscosidade plasmática, proteína C reativa, ureia, eletrólitos, função hepática, eletroforese, anti-corpos anti neuronais e anti tireoidianos, cretina cinase e ECA estavam inalterados.

Paciente foi tratado com metilprednisona por 3 dias, apresentando considerável melhora.

No mês seguinte, apresentou piora da cefaleia e diplopia, apresentando paralisia dolorosa do terceiro nervo sem acometimento pupilar, além de dor hemifacial esquerda e lacrimejamento do olho esquerdo.

Ao exame físico, houve redução da sensibilidade hemifacial esquerda e do couro cabeludo. Reflexo corneano se mostrou reduzido.

Estudos de condução nervosa sugeriram neuropatia da parte oftálmica o nervo trigêmeo esquerdo.

Nessa situação, o liquor estava normal, assim como as RM de órbita e de crânio. EMG sugeriu melhora da radiculopatia de S1.

Foi aumentada a prednisona (60mg/dia) e foi iniciada ciclofosfamida em vez de metotrexato. Ao se reduzirem os corticoides a 40mg/dia, a dor retornou.

Em março de 2006, o paciente desenvolveu dormência e formigamento na parte esquerda da face, sendo descoberta neuropatia da divisão maxilar e oftálmica do nervo trigêmeo. Um mês depois, houve desenvolvimento de disfunção do neurônio motor inferior, paralisia do 7º nervo craniano e dormência no ombro direito e tórax esquerdo.

O liquor permanência normal e com cultura negativa. ECA sérico normal. Hemograma demonstrou moderada linfopenia e macrocitose. LDH normal. Sorologia para Borrelia, sífilis, CMv, HIV e HTLV1 negativa. Exame oftalmológico normal.

Tratamento para sarcoidose foi iniciado com imunoglobulinas, não apresentando efeito significativo no paciente.

Em junho de 2006, foi iniciada terapia com Infliximab. Apesar do tratamento, o ombro direito do paciente teve déficit de força, as cefaleias persistiram e houve déficit na marcha, assim como perda de peso significante.

Paciente desenvolveu paralisia do 7º nervo craniano, assim como fraqueza do palato esquerdo, serrátil anterior direito, tríceps direito e abdutor dos dedos esquerdo. Reflexos profundos ausentes em MMSS e MMII. RM de cérebro demonstrou realce do 5, 6, 7 e 8 nervos cranianos. RM de medula foi normal.  TC abdominal e pélvica normais. Endoscopia normal.

Paciente desenvolveu três nódulos subcutâneos, um no peito esquerdo (quadrante inferior externo), sem linfadenopatia.

 

Após ler a segunda parte da história, seu diagnóstico mudaria?

 

Pense um pouco e depois veja o resultado da biopsia dos nódulos e o diagnóstico final.

 

A biópsia demonstrou alteração linfomatosa, sendo o diagnóstico final linfoma difuso de grandes células B envolvendo nervos cranianos e periféricos (neurolinfomatose). A medula óssea do paciente se encontrava normal.

 

DISCUSSÃO:

A sarcoidose é uma doença inflamatória de causa desconhecida. Sua manifestação se dá por granulomas não caseosos, principalmente nos linfonodos pulmonares e intratorácicos. Segundo dados americanos, a incidência é de cerca de 11 casos a cada 100.000 em brancos e 34 a cada 100.000 em afro-americanos. No tocante ao sexo, a doença atinge mais mulheres, tendo uma relação de 2 mulheres para 1 homem. Os picos de incidência se dão entre os 25 e 35 anos e entre 45 e 65 anos. A neurosarcoidose ocorre em cerca de 5% dos pacientes acometidos por sarcoidose.

Na sarcoidose não neurológica, cerca de 5% dos pacientes não apresenta manifestação clínica, sendo sintomas sistêmicos, como febre e anorexia, comuns. Queixas pulmonares, como dispneia aos esforços, tosse e dor torácica são as manifestações mais comuns da doença. Dermatologicamente, é comum que se apresente eritema nodoso e lúpus pernio, assim como rash violáceo na face.

Os sintomas neurológicos da sarcoidose normalmente surgem após cerca de 2 anos da apresentação inicial da doença, se apresentando com déficit sensoriomotor difuso, fraqueza que se inicia distalmente, dormencia distal, mononeuripatias, neuropatias multifocais e fraqueza generalizada.

Na radiografia é comum o sinal de Garland (sinal de 1, 2, 3), que se trata da linfonodomegalia hilar bilateral juntamente com linfonodomegalia paratraqueal direita.

Por sua vez, a neurolinfomatose se caracteriza por um linfoma não nodal atingindo preferencialmente nervos cranianos e periféricos. Na maioria dos casos, se trata de um linfoma não-hodgkin de grandes células B.

Nesse caso a neurolinfomatose do paciente teve sua apresentação similar à da neurosarcoidose, sendo possível diferenciar os diagnósticos apenas após o surgimento dos linfonodos e sua biópsia.

 

 

Caso editado por Lucas Fernandes

 

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