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Caso Clínico 

Retirado de:

IMAGES IN CLINICAL MEDICINE

Ria Dancel, M.D., and Mona Shaban, M.D.

N Engl J Med 2016; 374:1076March 17, 2016DOI: 10.1056/NEJMicm1509557

Acesso em 20 de março de 2016 às 14h49.

 

Um homem de 64 anos apresentou-se com história de fraqueza bilateral progressiva em MMII há 1 semana. O exame neurológico mostrou paralisia de MMII e sensibilidade diminuída começando em nível de L1-L2. RNM não pôde ser realizada devido à presença de marcapasso cardíaco. Desde quando o paciente teve fibrilação atrial e tempo de protrombina aumentado, existia a preocupação de um possível hematoma espinhal.

 

E aí? Só pelas informações dadas, você já pensa em alguma hipótese diagnóstica (HD)? Solicitaria mais algum exame?

 

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TC espinhal mostrou apenas doença degenerativa de disco. Na punção lombar, o LCR estava xantocrômico, viscoso e coagulado no tubo (figura A). O nível de proteína no LCR estava > 1500mg/dL, e o nível de glicose era de 45mg/dL (2.5mmol/L). O LCR continha menos que 1 célula nucleada/mm3, e os resultados de estudo com Gram e culturas foram negativos. Mielografia por TC mostrou uma grande lesão intradural extramedular em T11-T12 (figura B, seta), que estava comprimindo o cordão espinhal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com mais esses achados, você corrobora ou descarta sua(s) HD(s) do início? A que poderia corresponder a lesão evidenciada na mielografia? O quadro laboratorial mostrado na análise do LCR é patognomônico de quê?

 

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O paciente foi submetido à laminectomia total de T11 e T12 e à laminectomia parcial de L1 com ressecção do tumor; um tumor benigno de bainha de mielina (schwannoma) foi diagnosticado na análise patológica. Nem RT nem QT foram realizadas. Depois de 1 mês de reabilitação, a sensibilidade em MMII do paciente melhorou, permanecendo, porém, a paralisia de MMII.

 

COMENTÁRIOS

 

O paciente do caso exposto apresentava um quadro plégico com redução sensitiva em MMII. Dentre as primeiras etiologias pensadas, poderiam estar, por exemplo, doença desmielinizante, compressão medular, resposta autoimune pós-infecciosa (Síndrome de Guillain-Barré), doença vascular ou trauma. O tempo de evolução, o quadro do clínico e, principalmente, os exames complementares indicaram uma síndrome compressiva medular por uma lesão, lesão esta que poderia ser neoplásica, congênita ou infecciosa, considerando os grandes grupos de afecções. À cirurgia de ressecção, foi retirado um tumor, sendo fechado o tipo histológico como um schwannoma.

 

Ok, você acabou de ler nada mais que um resumo sucintíssimo da obra. E o intuito foi realmente esse, porque talvez tenha passado batido o grande marco que o caso publicado no The New England Journal of Medicine quis expor: a Síndrome de Froin.

 

George Froin, médico francês cujo nome deu-se à referida síndrome, descreveu em 1903 na sua obra “Inflammations méningées avec chromatique, fibrineuse et cytologique du liquide céphalo-rachidien” o achado de um LCR xantocrômico e coagulado numa situação clínica de irritação meníngea¹.

 

A síndrome possui uma tríade patognomônica que consiste nas alterações do LCR de proteína elevada (cujo valor de referência fica em torno de 0 a 40mg/dL em nível lombar²), xantocromia (cor amarelada) e hipercoagulabilidade, podendo ocorrer com o bloqueio da circulação do LCR por massa compressiva espinhal, principalmente por tumor ou abcesso, ou com irritação meníngea num quadro de meningite, por exemplo.

 

Entendo os achados, a hiperproteinorraquia pode estar presente em situações onde a BHE foi alterada ou a produção intratecal de imunoglobulinas foi aumentada. Já a xantocromia indica presença de bilirrubina plasmática oriunda de transudação de proteínas do soro para o LCR ou de HSA ou presença de bilirrubina no quadro clínico de icterícia. A hipercoagulabilidade, por sua vez, também pode ser explicada por aumento de proteínas, esta já justificada acima, ou mesmo por fatores de coagulação.

 

Assim, trazendo para o paciente do caso aqui exposto, poderia a sua lesão tumoral justificar a tríade da Síndrome de Froin? Ora, um tumor pode alterar a BHE? Pode. Proteínas ou outras substâncias podem passar para o LCR com uma BHE não totalmente íntegra? Podem. Então toda a sua situação é mais que ilustrativa!

 

Para se ter uma ideia, nenhuma página foi encontrada com a pesquisa “Síndrome de Froin” na plataforma do UpToDate no dia 20 de março de 2016, e esse caso foi publicado no NEJM apenas 3 dias antes, no dia 17 de março (tudo quentinho!). Então, se por um acaso, você vir algum caso parecido e lembrar que a síndrome existe, sua leitura neste momento foi muito proveitosa e nosso objetivo com essa exposição foi muito bem sucedida.

 

Abraços e até a próxima!

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

1. S. MIRZA, W.M. ADAMS*, R.A. CORKHILL. Froin’s syndrome revisited, 100 years on. Pseudo-Froin’s syndrome on MRI. Clinical Radiology (2008) 63, 600-604.

 

2. DIMAS, L. F. & PUCCIONI-SOHLER, M. Exame do líquido cefalorraquidiano: influência da temperatura, tempo e preparo da amostra na estabilidade analítica • J Bras Patol Med Lab • v. 44 • n. 2 • p. 97-106 • abril 2008.

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