
Serviço de neurologia do HUWC – UFC
Caso:
ID: Paciente feminina, 79 anos
HDA - 2014: Paciente destra, encaminhada ao serviço para avaliação de hemiparesia direita, a qual teve início aos 77 anos. Havia sido diagnosticada com AVCi, mas a TC de crânio não era compatível com os sintomas que ela vinha apresentando.
HPP: HAS, DM tipo 2, dislipidemia
Neurológico: Deficiência cognitiva (mini mental <15, paciente analfabeta; limite <19)
movimentos oculares normais
hipomimia facial (facies em máscara)
bradicinasia com hemiparesia direita
tremor de repouso distal
atrofia distal em membros compatível com neuropatia periférica
Conduta inicial:
RM de Crânio
Levodopa/benserazide até 200/50 mg 3x/dia
No ano seguinte, a paciente ficou restrita ao leito e, depois, à cadeira de rodas, devido a fratura do fêmur direito decorrente de uma queda; não pode realizar RM nesse período, e ficou medicada com amitriptilina para depressão e instabilidade emocional.
Eletroneuromiografia mostrou sinais de neuropatia axonal periférica sensoriomotora.
Evoluiu com declínio cognitivo progressivo. Iniciou, sem resposta, rivastgmina e galantamina para demência vascular.
Há dois anos, apresentava quadro de distonia no braço direito, e era vista constantemente segurando este braço com a mão esquerda.
A RM de crânio mostrou atrofia generalizada, com destaque para os lobos temporais; múltiplos infartos lacunares e leucoaraiose (doença da substância branca – em especial periventricular), mas sem assimetria da atrofia interemisférica.
Desde junho de 2014 (76 anos), ela desenvolveu importante síndrome do membro alienígena, afetando seu braço direito. Eram episódios frequentes de elevação involuntária, forçada e retrograda do braço acometido, levando a dores constantes. Ela evitava a levitação do braço segurando-o com a mão esquerda. No ultimo exame neurológico, não mostrava sinais de hemianopsia, de hemianestesia, de desorientação para direita/esquerda ou de conflito intermanual, mas exibia alguns sinais sugestivos de anosognisia e não conseguia realizar comandos cruzados do tipo “toque sua oreha direita com a mão esquerda”. O fenômeno do membro alienígena impediam-na de realizar comandos voluntários com o membro superior direito.
Conduta:
Carbamazepina 200mg duas vezes ao dia
Haloperidol 2mg uma vez ao dia
Sem resposta.
Amantadina 100mg duas vezes ao dia
Com razoável melhora dos sintomas do membro alienígena, segundo a família.
Na última visita, não apresentava o fenômeno do membro alienígena, mas apresentava delírio devido a infecção urinária. O declínio cognitivo não está ligado ao uso da amantadina.
Como esteve de cadeira de rodas por vários anos, outras atividades da vida diária não foram melhoradas pela amantadina, exceto a dor braço direito, a angústia e a capacidade de executar tarefas com o braço direito.
No link abaixo podem ser acessados os vídeos da evolução da paciente:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4505076/
Discussão:
Várias doenças neurodegenerativas se apresentam com algum tipo de parkinsonismo. Esses distúrbios têm apresentações clínicas complexas que refletem a degeneração em vários sistemas neuronais. No entanto, por causa das características comuns à doença de Parkinson, essas afecções têm sido coletivamente chamadas de síndromes Parkinson-plus.
Elas respondem mal aos tratamentos convencionais para a doença de Parkinson (DP). Uma resposta inadequada ao tratamento em um paciente com sintomas parkinsonianos sugere a possibilidade de uma síndrome Parkinson-plus e direciona a investigação diagnóstica para os sinais e sintomas de degeneração em outros sistemas neuronais.
A síndrome corticobasal é uma doença neurodegenerativa caracterizada por uma série de distúrbios cognitivos e comportamentais. Deficiências na função executiva e de memória são comuns, mas inespecíficas. Em contraste, os déficits em habilidades de linguagem e visuo-espaciais parecem ser características mais distintivas da síndrome corticobasal. Uma ampla gama de déficits motores foi reconhecida, incluindo apraxia de membro, fenômeno do membro alienígena, tremor, distúrbios de marcha, anormalidades de movimentos oculares, distonia, hiperreflexia e rigidez, que podem ou não estar presentes. Déficits cognitivos foram relatados, mas, inicialmente, foram considerados um fenômeno de estágios mais avançados. Porém, a maioria dos pacientes, se não todos, com síndrome corticobasal têm características cognitivas e/ou comportamentais desde o início do curso da doença.
Neste caso acompanhado no Hospital Universitário Walter Cantídio, a paciente foi inicialmente diagnosticada com acidente vascular cerebral. No entanto, ela tinha um quadro clínico de parkinsonismo não responsivo a levodopa, que evoluiu com alteração da marcha e demência subcortical. Isso levou a um diagnóstico inicial da síndrome atípica ou Parkinson-plus. Como a ressonância do cérebro não foi realizada até muito tarde, o diagnóstico de acidente vascular cerebral isquêmico e parkinsonismo vascular e demência não poderia ser descartada. O diagnóstico final de SCB, possivelmente devido à síndrome de degeneração corticobasal (CBGD) não foi feito até 8-9 anos após o início da doença, quando ela desenvolveu síndrome do membro alienígena. CBGD é um possível diagnóstico considerando seus achados da história clínica, que não são de outra maneira consistente com paralisia supranuclear progressiva ou doença de Alzheimer. Ela também foi iniciada em rivastigmina e galantamina; demência foi mais consistente com um padrão subcortical, em vez de com a doença de Alzheimer, apesar de ainda poderia ser uma variante da doença de Alzheimer. A RM não era característica de CBGD, mostrando acometimento leve da substância branca, leucoaraiose e atrofia simétrica (incluindo dos lobos temporais bilaterais). Os mecanismos subjacentes a resposta da síndrome do membro alienígena a amantadina em pacientes CBS ainda não são compreendidos. Novos estudos devem avaliar o papel da amantadina sobre a gestão dos sintomas motores anormais na CBS.
Tradicionalmente, a amantadina é um antiparkinsoniano, antidiscinético e antiviral. É uma amina tricíclica dopaminérgica, que age estimulando a liberação de dopamina pela substância negra.
Sindrome do membro alienígena responsiva a amantadina em paciente com síndrome corticobasal
Francisco de Assis Aquino Gondim, José Wagner Leonel Tavares Júnior, Arlindo A. Morais, Paulo Marcelo Gondim Sales, Horta Goes Wagner
Caso editado por Mariana Michiles